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Parque dos Príncipes

Espaço dedicado à cobertura do Campeonato Europeu de Futebol de Selecções a decorrer em França de entre 10 de Junho e 10 de Julho

Parque dos Príncipes

Espaço dedicado à cobertura do Campeonato Europeu de Futebol de Selecções a decorrer em França de entre 10 de Junho e 10 de Julho

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Jul16

Portugal 1 - 0 França, Visto por João Gonçalves


J.G.

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  Chego a estas linhas após um longo caminho que começou há mais de três décadas quando percebi o quanto gostava de futebol. Há três caminhos possíveis para se viver com paixão o futebol. O óbvio, que é começar a gostar tanto de um clube que o acabamos por seguir e defender até ao fim do mundo. O geral, que é perceber que se gosta tanto do jogo que a dedicação a ele vai muito além da paixão clubística. E o patriótico, naturalmente se gostamos de futebol queremos que o nosso país seja o melhor neste desporto.

O caminho clubístico foi interiorizado muito cedo e nem merece discussão.

O caminho de gostar do jogo em geral veio logo a seguir quando senti que os jogos de uma só equipa não satisfaziam o meu gozo de ver futebol. Veio o Mundial 1982 e tudo mudou, percebi que se podia vibrar com um emblema de forma incondicional mas também se podia ver futebol com prazer.
O caminho patriótico foi o mais complicado de sentir, explicar e viver até hoje. E é sobre esse que vou falar neste espaço dedicado à final do Euro 2016, o tal onde vim parar por paixão ao jogo e pela necessidade de me juntar com amigos, até de outros clubes, que vivam estas fases finais com o mesmo entusiasmo que eu.

 

Já o meu clube ganhava campeonatos e jogava finais europeias quando me encantei pela primeira vez pela Selecção portuguesa. Foi no verão de 1984, finalmente podia ver jogos com o prazer supremo da descoberta que já vinha do Mundial dois anos antes e, ao mesmo tempo, ter uma equipa com quem sofrer e torcer. Quando perdemos com a França fiquei de rastos. Por um lado não tinha noção do valor dos gauleses, só mais tarde percebi que era uma grande equipa, por outro lado começava a desconfiar que o futebol bonito não vencia taças, ainda não tinha recuperado da queda do Brasil'82. Mas o pior foi ouvir os comentários dos mais velhos a dizer que nunca iríamos fazer melhor do que aquilo. Nem o Eusébio em 1966 tinha conseguido melhor que um 3º lugar no Mundial, portanto...

Ou seja, cresci com a barreira invisível de nunca poder ver o meu país fazer melhor do que deixou feito num Mundial em que eu ainda nem era nascido. Interessei-me, li sobre a epopeia dos Magriços, vi as imagens icónicas do Rei a chorar. Portugal era aquilo. Fomos longe mas não nos deixaram fazer mais. Nem o Eusébio foi capaz. Era este o mote para a minha vida de adepto da Selecção.

 

Claro que a minha geração recusou acreditar nesta fatalidade e entre nós dizíamos que íamos ver mais e melhor. Estivemos em França em 84 graças a um milagre duplo, Chalana cavou um penalti e Jordão bateu o monstruoso Dasayev. Estava no 3º anel com os meus amigos de vários clubes da minha rua. Vibrámos e festejámos tão intensamente esse apuramento como o seguinte para o México. Outro milagre, Carlos Manuel do meio do campo manda uma bomba que "Toni" Schumacher, outro guardião monstruoso, não segurou. Portugal batia a RFA em Estugarda, coisa inédita! Crescia entre nós, putos, a convicção que íamos celebrar grandes feitos da nossa Selecção. O entusiasmo durou até ao final do jogo com a Inglaterra, vitória épica por 1-0. Olhava para os mais veteranos com o orgulho de dizer aos 13 anos que a tal derrota em Wembley estava agora vingada, tínhamos caminho livre para o sonho que José Torres alimentou. Acabámos atraiçoados com o que se passou a seguir. Derrota com a Polónia e humilhação com Marrocos. Que facada, Saltillo!

Ficámos sozinhos na dor já que as gerações mais velhas encolhiam os ombros e pareciam pouco surpreendidas com tamanha vergonha. Se calhar 1966 era mesmo irrepetível.
Atraiçoados mas não convencidos, continuámos a acreditar que Portugal ia dar a volta e apresentar uma Selecção à medida da nossa paixão e ambição. Mesmo sabendo que íamos para um apuramento para o Euro da Alemanha em 1988 com uma equipa de segunda escolhida por um advogado(!), lá fomos para o Jamor ver o empate com a Suécia e a derrota com a Itália. O jogo com Malta foi marcado para o Funchal e acabou num embaraçoso empate 2-2. Falhámos a presença no Euro 1988 e o nosso orgulho estava cada vez mais ferido. Já não havia como gostar e vibrar com a nossa Selecção, tiraram-nos todos os argumentos.

 

É aqui que a minha geração fica com uma cicatriz difícil de sarar, olhamos sempre desconfiados para a Selecção depois de tantas esperanças nela depositadas. Como a paixão pelo jogo se mantinha intacta, é por estas alturas que somos obrigados a eleger selecções alheias para dar mais emoção ao acompanhamento de fases finais que Portugal teimava em ficar de fora. Uns torciam pelo rigor italiano visto em 1982, outros ficaram para sempre encantados pela canarinha de 82, muitos ainda hoje torcem pela Argentina de D10S Maradona e há quem goste da Alemanha. Eu, neste caso.

Foi no Euro'88 que um amigo da minha mãe a viver em Hamburgo ao saber da minha dedicação ao futebol ofereceu-me aquela camisola da RFA com listas frontais com as cores da bandeira. Foi antes do torneio e fiquei fascinado com o futebol alemão desde aí. Tão simples como isto, passei a ter uma equipa pela qual torcia nas fases finais de Euros e Mundiais. Eu fiquei com a Alemanha, os meus amigos e vizinhos torciam por outras equipas. Sem problema nenhum, sem ninguém nos apontar o dedo acusador de traição. Foi adopção por ausência própria.

 

Euro 1988, Mundial 1990, Euro 1992, Mundial 1994, tudo torneios onde Portugal não entrou. Cheguei aos meus vinte anos, já adulto trabalhador sem esperar absolutamente nada de Portugal. Foi assim que cresci, foi este contexto que me apresentaram. E o fantasma de 1966 cada vez maior e mais pesado.

 

No entanto, houve uma esperança muito importante que nos voltou a dar algum alento. Ainda em 1989 quando os juniores se sagram campeões do Mundo em Riade, com direito a dispensa das aulas para ir ver a final, voltou o direito ao sonho. Direito esse que foi reforçado dois anos depois na Luz com renovação do título mundial na Luz contra o Brasil. Em 1991 fui ver os jogos todos de Portugal em Lisboa e vivi, ainda com os amigos de infância, toda a aventura rumo ao título mundial. A final na Luz foi dos ambientes mais impressionantes e loucos que presenciei na minha vida. A chama voltava a estar acesa. Mas foi preciso esperar por 1996 para voltarmos a vibrar com Portugal.

Novamente em Inglaterra caímos no antepenúltimo jogo antes do sonho. O fantasma de 1966 estava maior que nunca.

Para piorar o cenário, voltámos a falhar uma presença num Mundial em 1998. Era o regresso a França. Nova facada.

O triste fado parecia não ter fim, as fases finais eram vividas com picardias em base de apoios em países emprestados, não era a mesma coisa que torcer pelo nosso país. Foram muitos anos nisto.

Até que em 2000 tudo mudo. Portugal passou a ser presença habitual nas fases finais. Também porque os formatos de Europeus e Mundiais foram evoluindo no sentido de se alargarem e receberem muito mais equipas de acordo com o desenvolvimento europeu e mundial. Passou a ser mais acessível e Portugal aproveitou para se fixar entre os grandes.

 

O Europeu de 2000 devolveu a felicidade juvenil de vestir a camisola das quinas, juntar os amigos e voltar a sonhar. Um trajecto orgulhoso que nos levou ao penúltimo jogo. Caímos contra os franceses. Lá vinha o fantasma.

O entusiasmo voltou e carregou a equipa nacional para o apuramento para o primeiro Mundial asiático. Depois de tão boa prestação na Bélgica e Holanda a esperança era enorme. Voltámos a ser atraiçoados por uma comitiva que ficou mais conhecida por episódios pouco dignos em Macau do que pelo futebol que não apresentou perante Estados Unidos da América e Coreia do Sul. Voltávamos aos tempos humilhantes.

 

E, 2004 o ponto alto de toda uma vida a acompanhar a Selecção. Finalmente, tinha chegado o nosso momento. Íamos mostrar ao mundo que podemos ir mais longe que os Magriços e ganhar uma prova importante. Acabou numa tragédia grega. Nunca sofri tanto com uma derrota de Portugal como em 2004. Meto a final perdida no meu Top10 de momentos angustiantes vividos no futebol.

 

Mesmo assim, voltei a acreditar no Mundial da Alemanha, as bases estavam lançadas e não havia Grécia pela frente. Eliminados pela França, não era uma surpresa, só mais uma desilusão anunciada. E tal como em 1988 a "minha" Alemanha também não venceu em casa, desilusão a dobrar.

 

O tempo passava e o respeito pela Federação Portuguesa de Futebol era cada vez menos existente a nível pessoal. Deixei de acreditar. Quando vi Carlos Queirós de regresso torci o nariz. Queria uma boa prestação no primeiro Mundial africano de 2010 mas não acreditava. Já nem senti grande dor quando caímos frente aos espanhóis.

No Euro 2012 voltámos a sair por causa da Espanha, desta vez nos penaltis e com Paulo Bento a não entusiasmar. Mais uma desilusão nas meias finais. Já não tinha dúvidas, não nasci para ver Portugal ser feliz. Lá está, isto nem com o Eusébio fomos lá...

 

Chegava o Mundial do Brasil e, apesar, de continuarmos sem ganhar nada, tínhamos feito progressos, jogámos uma final, andámos em meias finais, já não éramos o país que nem ia às fases finais, estávamos mais perto de ganhar.

A esperança numa boa campanha no Brasil em 2014 era legitima. Como sempre, o nosso entusiasmo voltou a ser traído por uma presença humilhante em que não passámos a fase de grupos! Passei a vida nisto, dar um passo para a frente para depois dar dois para trás.

 

Passei a ver os jogos da Selecção com aquela indiferença de quem não acredita nada nisto mas se correr bem fico contente. Reparem, desde 1984 à espera de algo maior, desde 1991 à espera de ver a nossa qualidade provada com um troféu nos seniores.

 

Nos tempos mais recentes senti uma enorme melhoria na FPF. Mudança de atitude, mudança de mentalidade, sangue novo, ambição e muito trabalho à mostra. Falo com conhecimento de causa, conheço duas pessoas que entraram para a organização e que me devolveram a esperança de ver a Federação de futebol do meu país a ir de encontro às minhas expectativas.

Os resultados estavam à vista antes deste europeu, a Taça de Portugal foi revista, aumentada e muito melhorada. Um excelente trabalho que merece todos os elogios, embora achemos sempre que se pode melhorar ainda mais. Mas é um facto que a competição deu um grande salto qualitativo.

Depois, o meu projecto favorito, a renovação da 3ª divisão do futebol nacional. Um patrocinador capaz de impulsionar um campeonato com forte componente regional, jogos em directo num canal por cabo, grande visibilidade de um torneio que tem tudo para ser acarinhado por todos.

Também uma revista que dá eco de todas estas melhorias, enfim, senti que se deu um salto qualitativo e ambicioso na FPF. Depois a estreia da casa das Selecções, algo que ouvia falar desde miúdo, a aposta no futsal e, especialmente, no futebol feminino. Uma modernização que passa pela presença inteligente nas redes sociais e a aposta num treinador que passou pelos três clubes de futebol com mais adeptos no nosso país.

 

Fernando Santos apanhou uma Selecção deixada em cacos por Paulo Bento. Trouxe pragmatismo e realidade, que ele tanto usa nas suas palestras, à equipa. O Engenheiro veio provar o que eu já desconfiava há uns tempos, é muito melhor seleccionador do que treinador. Parecendo que é a mesma coisa, não é. Santos trouxe um ambiente de paz, chamou jogadores afastados por outras guerras, motivou os mais novos, confiou nos melhores e tentou fugir à inevitável pressão externa de agentes ligados ao futebol. Ganhou o respeito de todos e até a simpatia de quem não tinha saudades dele pelas passagens nos clubes. Recuperou a equipa na fase de apuramento que parecia perdida e qualificou directamente Portugal.

Soube fazer crescer a onda de entusiasmo. Tudo na FPF foi em crescendo nos últimos meses.

 

Eu e a minha geração sorrimos, ao menos voltámos a ter alguém que quer nos dar novamente o direito a sonhar. Mesmo que não tenhamos acreditado em nenhum momento que ia ser desta que ia acontecer magia.

 

O Euro em França começou, eu juntei amigos que adoram futebol e fizemos este espaço porque gostamos de escrever sobre a competição e tudo o que engloba todas as equipas e todos os jogadores. Temos uma paixão pelo jogo que vai muito além da confiança na Selecção, que era cerca de zero da minha parte.

Além da curiosidade sobre Portugal, lá vinham as picardias com amigos que torcem pela Itália ou Inglaterra e que não gostam que a Alemanha ganhe. Portugal faz uma fase de grupos ridícula e apura-se em 3º. É a antítese de tudo o que conheci no futebol até agora. Em 1984 eram 8 equipas a disputar o Euro, hoje uma equipa que empata todos os jogos segue em frente.

Nos jogos a eliminar já a conversa era outra. Já que ali estamos não quero ver Portugal perder mas a confiança continua a ser zero. Gostei do golo do Quaresma à Croácia. Já sofri qualquer coisa com os penaltis contra a Polónia. Tinha a certeza que íamos ganhar ao País de Gales. Mas tinha a mesma certeza que não ia servir de nada porque na final vinha um papão daqueles que nunca dobrámos nas fases finais.

Mas estar na final já era um grande feito. Fruto de uma incrível onda de sorte que nos meteu a jogar com os adversários mais acessíveis possíveis. E é aqui que comecei a desconfiar que o fado podia mudar. O Fernando Santos sempre foi um homem com ar de perdedor, era aquele treinador que num jogo com o Boavista na Luz viu a sua equipa acertar no poste vezes sem conta, por exemplo. Mas as vitórias da fase de apuramento, o golo da Islândia fora de horas da fase grupos, a sorte do jogo com a Croácia, tudo indicava que a fortuna só queria o Engenheiro como Seleccionador de Portugal para o premiar.

 

O jogo com a França foi o único que vi no meio da multidão, no Terreiro do Paço em frente a um écran gigante. Estive mais de 100 minutos em crescendo. Fui da fase de acreditar zero à euforia do festejo. Mas passei pela motivação comovente dada por um grupo de jovens turistas estrangeiros que sofriam mais com o jogo do que eu. Gritavam por Portugal com convicção. Acabei completamente envolvido no jogo quando percebi que atrás de mim estava um grupo de franceses cheios de soberba à espera do seu golo para nos humilhar. Riram-se na bola à trave do Raphael e das imagens de Ronaldo a sofrer no banco. Eu sorri quando vi a bola de Gignac a bater no poste. Pensei mesmo, ora aqui está! Isto com Fernando Santos treinador era o golo da ordem no final dramático. Com Fernando Santos seleccionador vai tão acontecer epicismo.

Foi o que aconteceu naquele golo surreal de ... Éder! Andei 32 anos a conviver com esta estranha ligação à nossa Selecção para tudo ser resolvido com um golo do... Éder? Um pontapé em corrida sem olhar para a baliza matou os franceses. Finalmente, fui feliz com as cores do meu país no final de um jogo decisivo. Graças ao Éder e com o Fernando Santos a treinar. O futebol é mesmo algo de maravilhoso.

 

Sei que não mereci tamanha alegria de ver Portugal campeão da Europa, sei que o futebol tem sido mesmo muito generoso para com a minha paixão e toda a minha dedicação ao jogo mas não me esqueço que nas inúmeras caminhadas infelizes de Portugal ao longo destas décadas estive muitas vezes a torcer por dentro. Lembro também que no outro caminho paralelo de viver o futebol com dedicação a um clube passei mais de uma década de amargas tardes e noites e mesmo assim nunca desisti, nunca virei costas ao meu clube. Reforcei anualmente a minha paixão ao clube, ao futebol e de dois em dois anos às fases finais de grandes torneios internacionais que continuam a deliciar-me como no primeiro momento em 1982. Acabou-se o fantasma de 1966 e eu vivi o suficiente para testemunhar isso. Estou grato.

 

Viva Portugal

Viva o futebol.

 

 

2 comentários

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    Nuno Silva 23.07.2016

    Bonitas palavras e sentidas. Também vivi este Europeu, acreditando desde o primeiro minuto que iríamos erguer a taça - quando os indicadores pareciam mostrar o contrario- não sabendo explicar os porquês, senti, e acompanhei cada jogo com entusiasmo. Confesso que vivo muito mais os jogos da seleção, que os jogos do meu clube - o que me deixa de rastos, quando tudo corre mal- talvez seja o patriotismo o amor ao país que tanto adoro ou simplesmente porque encontro, talvez nas poucas coisas, em que todos remamos na mesma direção. A vitoria portuguesa. Também escrevi um blog, onde partilhei sentimentos de um adepto, que sofre pela sua seleção.
    http://oultimoadepeto.blogspot.pt/2016_06_01_archive.html
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